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    Chris Hedges

    Jornalista vencedor do Pulitzer Prize (maior prêmio do jornalismo nos EUA), foi correspondente estrangeiro do New York Times, trabalhou para o The Dallas Morning News, The Christian Science Monitor e NPR.

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    Otan: a aliança militar mais perigosa do planeta

    Criada em 1949 para impedir a expansão da União Soviética na Europa Oriental e Central, ela evoluiu para ser uma máquina de guerra

    Sede da Otan (Foto: Reuters)

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    Artigo de Chris Hedges originalmente publicado no The Chris Hedges Report em 10/07/22, traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil247

    A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e a indústria de armas que depende dela para bilhões em lucros, se tornou a aliança militar mais agressiva e poderosa no planeta. Criada em 1949 para impedir a expansão da União Soviética na Europa Oriental e Central, ela evoluiu para ser uma máquina de guerra na Europa, no Oriente Médio, na América Latina e na Ásia.

    A OTAN expandiu as suas pegadas territoriais, violando promessas feitas a Moscou, uma vez que a Guerra Fria terminou, para  incorporar 14 países na Europa Oriental e Central à sua aliança. Ela logo adicionará a Finlândia e a Suécia. Ela bombardeou a Bósnia, a Sérvia e o Kosovo. Ela lançou guerras no Afeganistão, no Iraque, na Síria e na Líbia, resultando em quase um milhão de mortos e cerca de 38 milhões de pessoas expulsas dos seus lares. Ela está construindo uma presença militar na África e na Ásia. Ela convidou a Austrália, o Japão, a Nova Zelândia e a Coreia do Sul – os chamados “Quatro da Ásia-Pacífico” - para participarem da recente cúpula em Madrid no final de junho. Ela expandiu o seu alcance no Hemisfério Sul, assinando uma parceria de treinamento militar com a Colômbia em dezembro de 2021. Ela apoiou a Turquia – que tem a segunda maior foça militar da OTAN – que invadiu e ocupou ilegalmente partes da Síria, bem como do Iraque. Milícias apoiadas pela Turquia estão engajadas na limpeza étnica dos Curdos sírios e outros habitantes do norte e do leste da Síria. As forças militares turcas foram acusadas de crimes de guerra – incluindo múltiplos ataques aéreos  contra um campo de refugiados e pelo uso de armas químicas  – no norte do Iraque. Em troca da permissão do presidente turco Recep Tayyip Erdogan para a Finlândia e a Suécia entrarem na aliança, os dois países nórdicos concordaram em expandir as suas leis domésticas sobre o terror, facilitando a repressão aos ativistas curdos e outros, de suspender as suas restrições à venda de armas para a Turquia e de negar apoio aos movimentos liderados pelos curdos pela sua autonomia democrática na Síria.

    Este é um recorde e tanto para uma aliança militar que, com o colapso da União Soviética, foi considerada como obsoleta e deveria haver sido desmantelada. A OTAN e os militaristas não tinham a intenção de assumir o “dividendo da paz”, fomentando um mundo baseado na diplomacia, o respeito pelas esferas de influência e a cooperação mútua. O seu negócio é a guerra. Isso significou expandir a sua máquina de guerra para muito além da fronteira da Europa e de se engajar em um incessante antagonismo com relação à China e à Rússia.

    A OTAN vê o futuro – conforme o detalhado no seu documento “OTAN 2030: Unificada para uma Nova Era”  - como uma batalha com estados rivais, especialmente a China, pela hegemonia e clama pela preparação de um prolongado conflito global.

    “A China tem uma pauta estratégica crescentemente global, apoiada pelo seu peso econômico e militar”, adverte a iniciativa OTAN 2030. “Ela provou a sua vontade de usar a força contra os seus vizinhos, bem como a coerção econômica e a diplomacia intimidatória para muito além da região Indo-Pacífica. Na próxima década, a China provavelmente também desafiará a capacidade da OTAN de construir uma resiliência coletiva, de salvaguardar infraestruturas críticas, de abordar tecnologias novas e emergentes como o 5G, e de proteger setores sensíveis da economia, incluindo as cadeias de suprimento. No longo prazo, provavelmente a China projetará cada vez mais o seu poder militar globalmente, potencialmente incluindo a área Euro-Atlântica.”

    A aliança desdenhou da estratégia da Guerra Fria que assegurou que Washington estivesse mais próxima a Moscou e Beijing do que Moscou e Beijing estivessem uma da outra. O antagonismo dos EUA e da OTAN fez a Rússia e a China se tornarem aliadas próximas. A Rússia, rica em recursos naturais – incluindo energia, minerais e grãos – a China – um gigante industrial e tecnológico – juntas são uma combinação poderosa. A OTAN já não distingue mais entre as duas, anunciando na sua mais recente declaração de missão que “a parceria estratégica que se aprofunda” entre a Rússia e a China resultou em “tentativas que se reforçam mutuamente para erodir a ordem internacional baseada em regras, o que vai contra os nossos valores e interesses.” Em 6 de julho de 2022, Christopher Wray, o diretor do FBI, e Ken McCallum, diretor-geral do MI5 [serviço secreto] do Reino Unido, fizeram uma conferência conjunta de imprensa em Londres para anunciar que a China era a “a maior ameaça de longo-prazo à nossa segurança econômica e nacional.” Eles acusaram a China, bem como a Rússia, de inerferir das eleições dos EUA e do Reino Unido. Wray advertiu os líderes de negócios a quem eles falaram que o governo chinês estava “determinado em roubar a sua tecnologia, seja o que for que faz a sua indústria funcionar, e de usá-la para erodir os seus negócios e dominar os seus mercados.”

    Esta retórica inflamatória pressagia um futuro sinistro.

    Não se pode falar sobre guerra sem falar sobre mercados. A agitação política e social nos EUA, acoplada com o seu decrescente poder econômico, o levou a assumir a OTAN e a sua máquina de guerra como o antídoto para o seu declínio.

    Washington e os seus aliados europeus estão aterrorizados pela Iniciativa das Novas Rotas da Seda (BRI – Belt and Road Iniciative) da China que tem a intenção de conectar um bloco econômico de cerca de 70 nações fora do controle dos EUA. A iniciativa inclui a construção de ferrovias, estradas e gasodutos/oleodutos que serão integrados com a Rússia. Beijing espera alocar US$ 1,4 trilhões  ao BRI até 2027. A China, que está a caminho de se tornar a maior economia do mundo  dentro de uma década, organizou a Parceria Econômica Regional Abrangente (Regional Comprehensive Economic Partnership), o maior pacto comercial do mundo, em 15 nações do leste da Ásia e do Pacífico – as quais representam 30% do comércio global. Ela já responde por 28,7% da Produção Industrial Global – quase o dobro dos 16,8% dos EUA.]A taxa de crescimento da China no ano passado foi um impressionante 8,1% - apesar de estar se desacelerando para cerca de 5% neste ano. Em contraste a isso, a taxa de crescimento dos EUA em 2021 foi de 5,7%  - a mais alta desde 1984, porém está prevista para cair abaixo de 1%  neste ano – segundo o New York Federal Reserve.Se a China, a Rússia, o Irã, a Índia e outras nações se libertarem da tirania do dólar estadunidense enquanto moeda de reserva do mundo e do sistema internacional de liquidação de pagamentos SWIFT (Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication) – uma rede de mensagens usada por instituições financeiras para enviar e receber informações, como instruções para transferência de dinheiro, isso desencadeará um declínio dramático no valor do dólar dos EUA e um colapso financeiro nos EUA. Os enormes gastos militares que elevaram a dívida dos EUA a US$ 30 trilhões, US$ 6 trilhões a mais do que o PIB inteiro dos EUA, se tornarão insustentáveis. O serviço desta dívida custa US$ 300 bilhões por ano. Nós [os EUA] gastamos mais com as forças militares em 2021, US$ 801 bilhões, que representam 38% do total gasto no mundo todo com despesas militares, mais do que os nove países seguintes combinados, incluindo a China e a Rússia. A perda do dólar estadunidense como moeda de reserva do mundo forçará os EUA a cortar gastos, a fechar muitas das suas 800 bases militares no estrangeiro e ter que lidar com as inevitáveis convulsões sociais e políticas que serão detonadas pelo colapso econômico. É sombriamente irônico que a OTAN acelerou esta possibilidade.Aos olhos dos estrategistas da OTAN e dos EUA, a Rússia é apenas o aperitivo. A OTAN espera que os seus [da Rússia] militares fiquem atolados e degradados na Ucrânia. Segundo os planos [da OTAN], as sanções e o isolamento diplomático empurrarão Vladimir Putin para fora do poder. Então, um regime-cliente que fará o que os EUA ordenam será instalado em Moscou.A OTAN proveu mais de US$ 8 bilhões  de ajuda militar à Ucrânia, enquanto  que os EUA se comprometeram em dar quase US$ 54 bilhões  em assistência militar e humanitária ao país.No entanto, a China é o prato principal. Sendo incapazes de competir economicamente [com a China], os EUA e a OTAN voltaram-se para o instrumento bruto da guerra para aleijar o seu concorrente global.

    A provocação à China replica a isca da OTAN para a Rússia.

    A expansão da OTAN e o golpe de 2014 apoiado pelos EUA em Kiev  levou a Rússia a ocupar primeiro a Crimeia, no leste da Ucrânia, com a sua grande população étnica russa, e invadir depois toda a Ucrânia para impedir os esforços do país para entrar na OTAN. A mesma dança da morte está sendo jogada com a China sobre Taiwan – que a China considera como território chinês – e com a expansão da OTAN na Ásia-Pacífico. A China sobrevoa com aviões de guerra a zona de defesa aérea de Taiwan e os EUA mandam navios de guerra passar através do Estreito de Taiwan, que conecta os mares do Sul e do Leste da China. Em maio, o secretário de estado dos EUA Antony Blinken chamou a China o mais sério desafio de longo-prazo à ordem internacional, citando as reivindicações desta sobre Taiwan e os seus esforços para dominar o Mar do Sul da China. O presidente de Taiwan, numa acrobacia de publicidade tipo-Zelensky, posou recentemente com um lançador de foguetes anti-tanques numa foto distribuída pelo governo.O conflito na Ucrânia tem sido uma bonança para a indústria de armas, a qual, dada a humilhante retirada dos EUA do Afeganistão, precisava de um novo conflito. Os preços das ações da Lockheed Martin aumentaram em 12%. As da Northrop Grumman subiram 20%. A guerra está sendo usada pela OTAN para aumentar a sua presença militar na Europa Oriental e Central. Os EUA estão construindo uma base permanente na Polonia. A força de reação de 40 mil soldados da OTAN está sendo expandida para chegar a 300 mil soldados. Bilhões de dólares dos EUA estão sendo despejados na região.No entanto, o conflito com a Rússia já está saindo pela culatra. O valor do rublo teve a sua maior alta em sete anos contra o dólar dos EUA. A Europa está se preparando para uma recessão devido à alta dos preços do petróleo e do gás, e o temor de que a Rússia possa cessar completamente com os suprimentos. A perda do trigo, dos fertilizantes, do gás e do petróleo russos, devida às sanções ocidentais, está criando estragos nos mercados mundiais e também uma crise humanitária na África e no Oriente Médio. Os altos preços dos alimentos e da energia, juntamente com a escassez e a inflação paralisante não só trazem com eles a privação e a fome, mas também convulsões sociais e instabilidade política. A emergência do clima, que é uma ameaça existencial real, está sendo ignorada para apaziguar os deuses da guerra.Os fazedores da guerra cavalgando assustadoramente as ameaças de guerra nuclear. Putin advertiu os países da OTAN que eles “enfrentarão consequências maiores do que qualquer uma que enfrentaram na história” se intervierem diretamente na Ucrânia e ordenou as forças nucleares russas para entrarem em intenso estado de alerta. A proximidade à Rússia das armas nucleares dos EUA baseadas na Bélgica, na Alemanha, na Itália, na Holanda e na Turquia significam que qualquer conflito nuclear obliteraria boa parte da Europa. A Rússia e os EUA controlam cerca de 90% das ogivas nucleares do mundo, com cerca de 4.000 ogivas cada uma nos seus estoques militares, segundo a Federação de Cientistas Estadunidenses.O presidente Joe Biden advertiu que o uso de armas nucleares na Ucrânia seria “completamente inaceitável” e “implicaria em severas consequências” - sem explicitar quais seriam tais consequências. Isto é o que os estrategistas dos EUA chamam de “ambiguidade deliberada”.

    Após os seus fiascos no Oriente Médio, as forças militares dos EUA mudaram o seu foco, passando da luta contra o terrorismo e da guerra assimétrica para o confronto com a China e com a Rússia. Em 2016, a equipe de segurança nacional do presidente Barak Obama realizou um jogo de guerra no qual a Rússia invadia um país da OTAN no Báltico e usava uma arma nuclear tática de baixo poder contra as forças da OTAN. As autoridades do Obama ficaram divididas sobre como responder.

    “O chamado Comitê-Diretor do Conselho Nacional de Segurança (NSC – National Security Council) – incluindo autoridades do gabinete presidencial e membros do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas – decidiram que os EUA não teriam outra escolha a não ser a de retaliar com armas nucleares”, escreve Eric Schlosser na revista The Atlantic. “O comitê argumentou que qualquer outro tipo de resposta demonstraria uma falta de determinação, causaria danos à credibilidade estadunidense e enfraqueceria a aliança da OTAN. No entanto, a escolha de um alvo nuclear adequado se provou ser difícil. Golpear a força invasora russa mataria civis inocentes num país da OTAN. Atingir alvos dentro da Rússia poderia escalar o conflito a uma guerra nuclear total. Ao final, o Comitê de Diretores do NSC recomendou um ataque nuclear à Bielorrússia – uma nação que não desempenhou papel algum na invasão ao aliado da OTAN, porém teve a má sorte de ser uma aliada da Rússia.”O governo Biden formou uma Equipe Tigre (Tiger Team) de autoridades da segurança nacional para conduzir jogos de guerra sobre o que fazer se a Rússia usar uma arma nuclear, segundo o The New York Times. A ameaça de uma guerra nuclear é minimizada com discussões sobre “armas nucleares táticas”, como se explosões nucleares menos poderosas fossem de alguma maneira mais aceitáveis e que não levariam ao uso de bombas maiores.

    Em época alguma, incluindo a crise dos mísseis de Cuba, estivemos [os EUA] mais próximos do precipício de uma guerra nuclear.

    Uma simulação concebida por especialistas da Universidade de Princeton começa com a Rússia disparando um disparo nuclear de advertência; a OTAN responde com um pequeno disparo e a guerra que se segue resulta em mais de 90 milhões de vítimas nas suas primeiras horas – segundo o The New York Times.

    Quanto mais longa for a guerra na Ucrânia – e os EUA e a OTAN parecem estar determinados a canalizar bilhões de dólares dos EUA em armas no conflito por meses, se não for por anos – tanto mais o impensável se torna pensável. Flertar com o Armageddon para dar lucros à indústria de armas e executar a busca fútil de recuperar a hegemonia global dos EUA é, na melhor das hipóteses, extremamente irresponsável e, no pior dos casos, é genocida.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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